31 dezembro 2009

última voz em 2009

Sun_Stroke_by_MagdaMontemor.


eram cavalos. no sonho. cavalos de correr. desses de amar

eram cavalos soltos livres sãos. cavalos despenteados pelo vento

cavalos incapazes de parar

eram cavalos. não no sonho, de sonho. eram cavalos de ninguém domar!


eram. eram. eram. tão passado!


eram cavalos de nunca te pisar em correria de fuga

se assim fosse.

eram cavalos. dignos do nome da raça. Lusitanos e para continuar.


parto. não em desespero. só sem esperança.

parece o mesmo? eu sei, mas luto pela diferença.




quando o Amor se acaba nesta vida

inventa-se uma Crença!






( aos meus filhos, neste ano que passa. passará? para muitos com certeza. outros ficarão a sentir os cascos, dos cavalos a pisar-lhes, sem piedade, a já... fin-da-cabeça)

19 dezembro 2009

desde ontem sei, como sei que nasci...


haver uma parte da história por narrar.
um livro em branco que eu não queria encher e sei agora que não pode esperar e ninguém impedirá que, bom ou mau, acabe por se ler.


foto de madalena pestana.

07 dezembro 2009

vida de borboleta


ia de olhos no chão. quem sabe agora se seria por medo de cair
numa das ratoeiras que a cidade estende
como uma passadeira interminável?

ia cansada. nem triste nem alegre. só cansada. a precisar de campo. como sempre e a não o poder ter.

ao lado havia vozes. logo havia mais gente no caminho. não olhou. eram vozes jovens. não precisavam dela.

o chão sim. parecia puxá-la como abismo em dia de vertigem. focou melhor a calçada a preto e branco.

uma minúscula e leve forma acastanhada chamou-lhe a atenção. era uma borboleta. com as asas viradas para cima. uma oração?

não se baixou mas parou a olhar. a pensar que gostava de ter uma vida curta e breve. mas não uma vida castanha.

branca ou preta talvez. castanha não.

terá sido um melro a soltar o insecto do bico em pressa de fugir de uma gaivota?

o que a terá feito morrer ali. entre automóveis e gente indiferente?

image by Lynze Lane

se ela tivesse vida de borboleta e pudesse escolher deixava que o vento a arrastasse para morrer junto ao mar. o fim dos rios todos.

entrou em casa. nem alegre nem triste só mais cansada agora. a vida era já longa. demais.

têm sorte as borboletas. cumprem a função na terra e deixam-nas partir...

30 novembro 2009

Uma frase que passou por mim a esta hora

Formação e desemprego by Magda Montemor

"Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura..."


- Fernando Pessoa

25 novembro 2009

chuva ou

das Hienas.

watching rain by MagdaMontemor
___________

é chuva?

é chuva sim. calma. constante.
da que penetra a Terra e fertiliza
chuva da cor de lágrimas sem sal
de quando as almas choram em uníssono
desenbargando as palavras que calavam

do silêncio ela sabe e do choro guardado
das palavras sem som sabe também
e da terra ou o seu corpo esventrado
e depois desertado
como o de um animal que os predadores
abandonaram saciados
e ainda estremece ansiando a morte. total.

agora chove. sem perigo de inundar
chove-lhe sobre o rosto levantado
para aquele céu de almas a chorar

no Outono parte da vida apodrece para voltar a nascer
reciclada
assim seja pois com as partes do seu corpo
espalhadas
apodreçam unidas num passado

em nenhuma Primavera que vier ela as quer re-encontrar
para que não lhe doa mais o ventre
a dentes de carnívoro, trocidado
quando ainda tremia fremia de vida.

por amar!



madalena pestana (aka - magda montemor)

uma frase do começo de...nada


woman-before-the-rising-sun by caspar-david-friedrich

cobri de tecido carne cada degrau do teu corpo.

20 novembro 2009

re - introdução

woman rising - Jo Robinson Art



Ai miserável de mim e infeliz!
Apurar, ó céus, pretendo,
já que me tratais assim,
que delito cometi
contra vós outros, nascendo;
que, se nasci, já entendo
qual delito hei cometido:
bastante causa há servido
vossa justiça e rigor,
pois que o delito maior
do homem é ter nascido.

E só quisera saber,
para apurar males meus
deixando de parte, ó céus,
o delito de nascer,
em que vos pude ofender
por me castigardes mais?
Não nasceram os demais?
Pois se eles também nasceram,
que privilégios tiveram
como eu não gozei jamais?

Nasce a ave, e com as graças
que lhe dão beleza suma,
apenas é flor de pluma,
ou ramalhete com asas,
quando as etéreas plagas
corta com velocidade,
negando-se à piedade
do ninho que deixa em calma:
só eu, que tenho mais alma,
tenho menos liberdade?

Nasce a fera, e com a pele
que desenham manchas belas,
apenas signo é de estrelas
graças ao douto pincel,
quando atrevida e cruel,
a humana necessidade
lhe ensina a ter crueldade,
monstro de seu labirinto:
só eu, com melhor instinto,
tenho menos liberdade?

Nasce o peixe, e não respira,
aborto de ovas e lamas,
e apenas baixel de escamas
por sobre as ondas se mira,
quando a toda a parte gira,
num medir da imensidade
co'a tanta capacidade
que lhe dá o centro frio:
só eu, com mais alvedrio,
tenho menos liberdade?

Nasce o arroio, uma cobra
que entre as flores se desata,
e apenas, serpe de prata,
por entre as flores se desdobra,
já, cantor, celebra a obrada natura em piedade
que lhe dá a majestade
do campo aberto à descida:
só eu que tenho mais vida,
tenho menos liberdade?

Em chegando a esta paixão
um vulcão, um Etna feito,
quisera arrancar do peito
pedaços do coração.
Que lei, justiça, ou razão,
nega aos homens - ó céu grave!
privilégio tão suave,
exceção tão principal,
que Deus a deu a um cristal,
ao peixe, à fera, e a uma ave?"



MONÓLOGO DE SEGISMUNDO
(LA VIDA ES SUEÑO, Ato I, Cena I) de Pedro Calderón de la Barca

19 novembro 2009

no meio a página em branco


picture by whateverly

do puzzle que hei-de montar


09 novembro 2009

Ode aos Amigos



Porque há amigos e eu posso confirmar
Porque há Paz dentro a nós e hei-de recuperá-la
Porque há um riso em mim ainda por soltar
Porque há água a correr baixo a cada ponte
Porque te espero a ti e sei que hás-de chegar

Por tudo isso é que ainda ando a monte
Perdida entre o que sou e o por achar
Fugida da vida-morte oferecida
Por quem Devia agradecer e amar

___*___

mas afinal ____ é disto que hoje é feita a nossa vida

a Vida. a Outra. alguém há-de encontrar

a Ponte. Aquela ponte - sobre o Rio no deserto
que cada um de nós é. sem conhecer
essa só os Amigos hão-de saber Ser
e há-de salvar-nos seja aonde for.


29 outubro 2009

festa!



foto de Magda Montemor



que bom deixar para trás o passado. todo.

com a naturalidade com que o sol desce no horizonte

a cada dia.


26 outubro 2009

anjo do Mal

Precipice by Rockwell Kent


o empurrão para a morte veio pela manhã

foram as mãos de um anjo implacável

a fazer a pressão desmesurada

nada de inesperado. os anjos do mal aguardam

na descida


foi forte a tentação de deixar-se ir

começou mesmo a escorregar devagarinho

silenciosamente

sabia bem aliviar assim do fardo de viver

( descer até ao fim tão desejado! )


súbito estancou e agarrada ao vazio

içou-se a pulso


- não. o inferno do alheio não me pode vencer

o anjo maldito não triunfará ainda desta vez

e recobrada a força subo ao alto de mim

e grito-lhe OBRIGADO!




É a minha resposta Leonor, o agradecimento é genuíno.

15 setembro 2009

fotografando

image by MagdaMontemor

passando na rua. óculos escuros.

simples coisa de quem não quer ser visto

só olhar

vi sem ver uma mancha numa parede suja a tempo. vi.

voltei atrás. óculos escuros em riste

era um homem. seguramente era. a mancha na parede tinha volume

um volume difícil. de tão triste.

sem nenhum desrespeito disparei. instante registado


e agora. dona disso. dessa dor.

- fujo dela como? para que lado?

09 agosto 2009

Uma coroa para um Actor



A crown for an Actor - by MagdaMontemor


RIP Raul Solnado

13 julho 2009

nós

image by AndyShade


nascidos de infinito abandonámos a origem

onde todos nos tocávamos. nó cego a unir-nos

olhados da distância éramos pontos finais

do início da frase


despenhámo-nos. orgulho abaixo. atração de abismo



image by MagdaMontemor


a imagem que sobrou reflecte ainda

mas remota. distante da fonte primordial


para nos verem terão de olhar para baixo

para onde nunca imagináramos chegar


e todos nos tocámos. unos e divergentes. no começo de nós...


20 junho 2009

ecos. na Terra


image by madalena pestana

olhando o que restou da Obra feita

nas mãos de Deus azedou o vinho da cerimónia

image by pericoterrades

entendida a Mensagem. na Terra. a água afundou

abandonando o homem

19 junho 2009

Nómada


image by Michal Karcz


no mistério da estrada o incógnito. absoluto

nem uma só palavra. desleixada. perdida

a desvendar passados. longínquos tal o tempo

absortas as árvores apelam novos rumos

...e o vento passa longe!

transporta no cinzento das nuvens

a espessura dos sonhos


by Brian Kerr

silêncio a silêncio

construída a vazios. talhada osso em pedra

cresce a história dos homens.


aquela ou outra estrada gravaram-lhes os passos

esqueceram-lhes os sons

deixam marcas nas rochas

cantos de urgente voz. tecidos ardua-mente


houve pressa no erguer-se. lentidão em partir.


vindos. nascidos de onde?

rios em sulcos de pedra. caminham

para que foz?


16 junho 2009

o sorriso. de Deus.



shadow_riders_by_mmhhrr

terra onde a morte vive. assim é nos desenhos sinistros do solo. assim é nos silêncios. nos rostos vazios de sorrir. assim é.

no mundo. hoje. de hoje.

de escutaram o nome. desde a infância. mas era outro o Deus. outra a face que lhe emprestavam.

o deus de hoje. hoje não sorri. nem ele.

a vida marca passo ao compasso de relógios histéricos.

correria.

perda de tempo em cada salto dado. a correr.

não se entendem as gentes num voltear de moscas zombideiras.

fazem tremer os outros com um rosnar de boneco de corda a imitar ferozes predadores.
olham qualquer espelho em torno. auto aplauso. e correm. correm. correm.

ninguém sabe para onde.

ou porquê.


depois a chuva chega. por minutos.

tudo para. até os automóveis. esses uns contra outros. morre-se porque chove.

poucos mas alguns estacam. a escutar. a água. essa que cai. sem hora certa. cada vez menos vezes.

desce o olhar ao chão quem não tem medo disso.

azulou. o espírito da água anulou os zombies. transparece a calçada. o ar é leve.

dos relógios afugou-se a histeria.

art by external linq

- não se inquietem essas sobras de gente. o calor vai voltar. e secar. tudo.

e Deus continuará a não sorrir.

13 junho 2009

feminino

image by ahituna

desenha árvores na areia para que as recordem.

depois daquele dia. o dia do incêndio global. calor extermínio onde o verde não cabe. onde o verde se apaga. onde o azul é cinza ou nevoeiro de onde não surge nada nem ninguém. sobretudo não esperança.

só o vento manterá a sua dança feito ar ardente. sobre rochas eternas. mais escavadas mas lá. perfuradas, alisadas mas ainda lá. porque não ardem. só porque não ardem.


image by photoscot

mas há uma mulher. escondendo o corpo. em meio à rocha. defendendo no ventre um ovo. fecundado.

lá em baixo o rio na areia deixa que o vento apague os traços inúteis de árvores mortas e volta a sussurrar.

há recomeço onde a fúria do feminino dê em lutar. se a Vida é causa.

12 junho 2009

vazio

image by kresimir kopcic

o jogo tem nítidos lugares

as peças têm movimentos seus

oblíquos. rectos. saltos

as peças voam mais que as muitas almas


depois é só limpar o barulho do jogo

e perde quem não entra na jogada


a vida tem mistérios insondáveis

mas é um tabuleiro de xadrez.

vazio. depois.

11 junho 2009

arte de viajar


image by fwscharpf


uma aranha. uma aranha tem quatro pares de patas úteis e uma carapaça. desloca-se devagar sobre todos os caminhos. tece. tece e às vezes usa a seda to seu tecer para dormir. não precisa complicar a vida para obter descanso.

assim se quereria hoje. semelhante a uma mansa aranha sem veneno.

caminhar beira rios, em rochas, campos. conhecer todos os recantos da terra. devagar. devagar. tocar o chão sem se deixar prender a ele. usar duas árvores o vento e a sorte para tecer arte. descansar num casulo protegendo os ovos.

ter por destino controlar as pragas.

deveria haver aranhas para impedir pragas de gente. não há.

deita-se na areia que de noite é fresca e adormece.

09 junho 2009

paraíso e inferno

The Gate by `aquapell

não há secura ou espaço silêncio ou solidão que nos livre da graça de sonhar. se a verdade não está no ascestismo nem na paz ou na água, quem sabe o sonho lha venha entregar?

não pensa nisso. apenas adormece.
há um portão de ferro que separa o paraíso do inferno. e ela usa toda a força para o quase abrir. quase fechar. criança em baloiço de adultos.

de nenhum dos lados sabe o que a espera. por isso não o fecha nem se atreve a escolher. não tem palavras escritas o portão, que lhe digam - vem por aqui. nós temos a verdade. e ainda que as houvesse podia ser engano.
diziam-lhe na infância ser o diabo um anjo transviado. bem capaz de enganar.

ao depertar recorda e não sorri. esteve tão perto. sentiu a intensidade da luta entre dois anjos de poder. apenas não sabia a linguagem.
do que por lá escutou não tem nada a contar.

seguirá o caminho. mente em frente. nada a levará a desistir.

08 junho 2009

sobre a pele de um rio


image by Torqual


o vento deformou o traçado da areia. é mais difícil ver o curso de água. lá de cima. manhã solta já.

apura o olhar no enfrentar da luz. cansam-se os olhos. o ar assobia ritmos estranhos nos canais das dunas.

- hoje é o dia dele. do elemento ar.

e neste constatar quase sufoca. o pó avermelhado invadiu-lhe a garganta. as narinas. deitou-se então ao chão e rolou duna abaixo. criança a embalar-se e a escorregar.

quando sentiu a dureza da pele do rio seco é que se ergueu. teria ainda muito por andar.

uma nesga de verde no horizonte garantia-lhe o caminho certo.



image by videopixels

- o tempo é meu. caminho passo a passo pelo meu rio na areia.

não pensou em cansaço. só na água. a que seguraria nas mãos. como quem reza.

a magnífica água de purificar e de beber.


image by jameshervey


07 junho 2009

a festa


image by SteveVodhanel

camuflada a gruta. tão camuflada que só o faro aguçado de animal em caça a encontraria. fez disso sua casa. de mais não precisava.
pela manhã buscaria bagas, ervas ou peixe. a água corria um pouco mais abaixo. escutava-lhe o som de cristais a tocar-se em mesa de banquete. sorriu. cobriu-se com a pele que levara ao partir. quase da cor da rocha. dera-lha a avó sem saber para onde ia ao despedir-se. - talvez a uma festa. e acertara. o saber da idade é mesmo assim.

quando os morcegos regressassem da sua dança silenciosa saberia que era tempo de erguer-se e começar a procurar.

árdua a tarefa que escolhera.
a Verdade é uma ave branca esvoaçando entre nuvens, também elas brancas todas. difícil ao olhar humano distinguir.


meditei. acreditem. não me ocorreu mais nada...




Obrigada Zeca, pela presença, na Hora!

peso

não fosse a gravidade e seria ave livre. ar vibrante a sol. na protecção de todos os que amasse.

image by ~fall0n

não é.

à custa dessa lei não passará de mais um mistério. só pedra. enterrado no chão.


picture at kanishksharma.wordpress

06 junho 2009

coisas de fera-gente

art by snik38

os lobos uivam e é infindável o rio de sangue a crú que se derrama nas almas da cidade. reviu.

regressa. pés ainda feridos do correr.

no seu deserto sem nome nem país, uma ave acena. chegou enfim a casa.

é urgente dormir para amanhã, ao despertar, esquecer. matando esse passado. reganhando o direito a um presente. de paz.


image by benarts

04 junho 2009

sarasvati - o rio


image by MustafaDedeogLu


o longe que puder. mais longe ainda que os fins já conhecidos. é para lá que vai.
leva no dorso a saudade do trigo. pouco mais. é peso leve mas ainda muito. de caminho o aliviará. tem como certo.
na noite sabe do sabor da luz. de dia dorme as estrelas haja nuvens ou não.

ainda não sente dor. anestesia da liberdade conseguida. dentro.

e cavalga o destino na direcção do rio que acaba no deserto.

image by MustafaDedeogLu



01 junho 2009

o caminho

image by_StigmaChina


nas estradas comuns tudo parecia errado. tudo era errado. levou tempo a entender porquê. talvez demais. do pouco tempo que ainda era seu já pouco lhe sobrava. sensações.

saiu do asfalto. sentou-se num montículo de terra. a decidir. decidir é coisa diferente quando se parte como ela. sem bagagem nem rumo.

assim fez um traço no chão. o mais nítido que conseguiu. com as garras dos dedos. saltou por cima dele. era a sua fronteira.

- nunca. nunca mais volto para trás.

pés nús

image by Gugune


no soalho letras. nada mais que isso. de fora a luz agressiva a querer matar a escuridão desejada. merecida.

as letras não fazem palavras. nem sons.

as letras são objectos caídos no soalho.

lá de fora entra uma nesga de ar. não purifica. lembra que o ar existe. des-po-luí-da-mente. muito longe.

é hora de quê?

- só de partir.

partiu.