10 fevereiro 2010


image by John Sheppard

este cansaço de ter a morte no colo. embalá-la, embalá-la
como a uma irmã doente que não tem força para andar
um cansaço feito de aço. todo raiva silenciada
mas a morte... a morte é ela. só ela pode matar.

pois que me dê ela colo. me leve rapidamente
para onde não haja dor. essa dor de se ser gente
olhar em volta e só ver rostos de pressa vazia
corpos dados sem amor. velhos na lenta agonia
de estar vivos por favor
quer do estado ou da família ou atirados pela rua
mas fora do contentor.


embalo a morte no colo mas até quando consigo
não partir para a aventura de saltarmos, ela e eu
para o ar limpo que vai do penhasco até ao mar?
e não nos cansarmos mais.

06 fevereiro 2010

Não te lamento a morte Nuno , agradeço-te a Vida.



colagem simples de MP
mas com direitos reservados

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" Uma noite, ao jantar, começou a ouvir-se um ruído raspado pela chaminé abaixo, e quando todos se tinham calado a olhar para o fogão apagado, um melro entrou e pousou na lage, em frente ao fogão. E ele olhou para toda a gente, com a comprida cauda a pulsar de espanto, após o que, borrou-se. Uma das minhas tias gritou que aquilo era um aviso do Destino, mas o melro levantou vôo e começou a bater nas paredes e cortinas e às vezes atravessava a sala de jantar de lés-a-lés, voando curvilíneamente de forma que passava junto às cabeças de todos, e havia gritos.

Um primo de cabelos brancos e bochechas muito encarnadas levantou-se e disse que ia caçar o melro. Eu só percebi que este estava muito pouco contente e que só queria sair de uma casa onde nunca tinha querido entrar, para começar. Esse primo de cabelos brancos não vivia connosco mas viera jantar nessa noite. Ele agarrou numa almofada de veludo rôxo e atirou-a ao melro, que caiu embrulhado na almofada que era muito mole, resvalando o conjunto por uma parede abaixo. Então eu peguei numa romã e arremessei-a com toda a força à cabeça encarnada e branca desse primo que não vivia connosco e se chamava Jaime.

Estava tudo a olhar para o melro e por isso eu pensei que não me vissem. Mas uma criada que entrava observou o meu gesto, e fui imediatamente empurrado até ao quarto. Bateram-me bastante, nos dois lados da cara, e nunca cheguei a saber o que finalmente aconteceu àquele pássaro."

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In I painel - "A noite e o Riso" de Nuno Bragança

(1929-1985)