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06 fevereiro 2010

Não te lamento a morte Nuno , agradeço-te a Vida.



colagem simples de MP
mas com direitos reservados

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" Uma noite, ao jantar, começou a ouvir-se um ruído raspado pela chaminé abaixo, e quando todos se tinham calado a olhar para o fogão apagado, um melro entrou e pousou na lage, em frente ao fogão. E ele olhou para toda a gente, com a comprida cauda a pulsar de espanto, após o que, borrou-se. Uma das minhas tias gritou que aquilo era um aviso do Destino, mas o melro levantou vôo e começou a bater nas paredes e cortinas e às vezes atravessava a sala de jantar de lés-a-lés, voando curvilíneamente de forma que passava junto às cabeças de todos, e havia gritos.

Um primo de cabelos brancos e bochechas muito encarnadas levantou-se e disse que ia caçar o melro. Eu só percebi que este estava muito pouco contente e que só queria sair de uma casa onde nunca tinha querido entrar, para começar. Esse primo de cabelos brancos não vivia connosco mas viera jantar nessa noite. Ele agarrou numa almofada de veludo rôxo e atirou-a ao melro, que caiu embrulhado na almofada que era muito mole, resvalando o conjunto por uma parede abaixo. Então eu peguei numa romã e arremessei-a com toda a força à cabeça encarnada e branca desse primo que não vivia connosco e se chamava Jaime.

Estava tudo a olhar para o melro e por isso eu pensei que não me vissem. Mas uma criada que entrava observou o meu gesto, e fui imediatamente empurrado até ao quarto. Bateram-me bastante, nos dois lados da cara, e nunca cheguei a saber o que finalmente aconteceu àquele pássaro."

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In I painel - "A noite e o Riso" de Nuno Bragança

(1929-1985)

18 janeiro 2010

de corpo inteiro


foto de Magda Montemor

não sei nadar em cardume. sufoco. se venho à tona para me afastar

é o ar não tratado que me mata. assim não sei

nadar.


deixem que eu volte a ser de corpo inteiro

talvez possa voar.


31 dezembro 2009

última voz em 2009

Sun_Stroke_by_MagdaMontemor.


eram cavalos. no sonho. cavalos de correr. desses de amar

eram cavalos soltos livres sãos. cavalos despenteados pelo vento

cavalos incapazes de parar

eram cavalos. não no sonho, de sonho. eram cavalos de ninguém domar!


eram. eram. eram. tão passado!


eram cavalos de nunca te pisar em correria de fuga

se assim fosse.

eram cavalos. dignos do nome da raça. Lusitanos e para continuar.


parto. não em desespero. só sem esperança.

parece o mesmo? eu sei, mas luto pela diferença.




quando o Amor se acaba nesta vida

inventa-se uma Crença!






( aos meus filhos, neste ano que passa. passará? para muitos com certeza. outros ficarão a sentir os cascos, dos cavalos a pisar-lhes, sem piedade, a já... fin-da-cabeça)

19 dezembro 2009

desde ontem sei, como sei que nasci...


haver uma parte da história por narrar.
um livro em branco que eu não queria encher e sei agora que não pode esperar e ninguém impedirá que, bom ou mau, acabe por se ler.


foto de madalena pestana.

07 dezembro 2009

vida de borboleta


ia de olhos no chão. quem sabe agora se seria por medo de cair
numa das ratoeiras que a cidade estende
como uma passadeira interminável?

ia cansada. nem triste nem alegre. só cansada. a precisar de campo. como sempre e a não o poder ter.

ao lado havia vozes. logo havia mais gente no caminho. não olhou. eram vozes jovens. não precisavam dela.

o chão sim. parecia puxá-la como abismo em dia de vertigem. focou melhor a calçada a preto e branco.

uma minúscula e leve forma acastanhada chamou-lhe a atenção. era uma borboleta. com as asas viradas para cima. uma oração?

não se baixou mas parou a olhar. a pensar que gostava de ter uma vida curta e breve. mas não uma vida castanha.

branca ou preta talvez. castanha não.

terá sido um melro a soltar o insecto do bico em pressa de fugir de uma gaivota?

o que a terá feito morrer ali. entre automóveis e gente indiferente?

image by Lynze Lane

se ela tivesse vida de borboleta e pudesse escolher deixava que o vento a arrastasse para morrer junto ao mar. o fim dos rios todos.

entrou em casa. nem alegre nem triste só mais cansada agora. a vida era já longa. demais.

têm sorte as borboletas. cumprem a função na terra e deixam-nas partir...

29 outubro 2009

festa!



foto de Magda Montemor



que bom deixar para trás o passado. todo.

com a naturalidade com que o sol desce no horizonte

a cada dia.


26 outubro 2009

anjo do Mal

Precipice by Rockwell Kent


o empurrão para a morte veio pela manhã

foram as mãos de um anjo implacável

a fazer a pressão desmesurada

nada de inesperado. os anjos do mal aguardam

na descida


foi forte a tentação de deixar-se ir

começou mesmo a escorregar devagarinho

silenciosamente

sabia bem aliviar assim do fardo de viver

( descer até ao fim tão desejado! )


súbito estancou e agarrada ao vazio

içou-se a pulso


- não. o inferno do alheio não me pode vencer

o anjo maldito não triunfará ainda desta vez

e recobrada a força subo ao alto de mim

e grito-lhe OBRIGADO!




É a minha resposta Leonor, o agradecimento é genuíno.

19 junho 2009

Nómada


image by Michal Karcz


no mistério da estrada o incógnito. absoluto

nem uma só palavra. desleixada. perdida

a desvendar passados. longínquos tal o tempo

absortas as árvores apelam novos rumos

...e o vento passa longe!

transporta no cinzento das nuvens

a espessura dos sonhos


by Brian Kerr

silêncio a silêncio

construída a vazios. talhada osso em pedra

cresce a história dos homens.


aquela ou outra estrada gravaram-lhes os passos

esqueceram-lhes os sons

deixam marcas nas rochas

cantos de urgente voz. tecidos ardua-mente


houve pressa no erguer-se. lentidão em partir.


vindos. nascidos de onde?

rios em sulcos de pedra. caminham

para que foz?


13 junho 2009

feminino

image by ahituna

desenha árvores na areia para que as recordem.

depois daquele dia. o dia do incêndio global. calor extermínio onde o verde não cabe. onde o verde se apaga. onde o azul é cinza ou nevoeiro de onde não surge nada nem ninguém. sobretudo não esperança.

só o vento manterá a sua dança feito ar ardente. sobre rochas eternas. mais escavadas mas lá. perfuradas, alisadas mas ainda lá. porque não ardem. só porque não ardem.


image by photoscot

mas há uma mulher. escondendo o corpo. em meio à rocha. defendendo no ventre um ovo. fecundado.

lá em baixo o rio na areia deixa que o vento apague os traços inúteis de árvores mortas e volta a sussurrar.

há recomeço onde a fúria do feminino dê em lutar. se a Vida é causa.

12 junho 2009

vazio

image by kresimir kopcic

o jogo tem nítidos lugares

as peças têm movimentos seus

oblíquos. rectos. saltos

as peças voam mais que as muitas almas


depois é só limpar o barulho do jogo

e perde quem não entra na jogada


a vida tem mistérios insondáveis

mas é um tabuleiro de xadrez.

vazio. depois.