ia de olhos no chão. quem sabe agora se seria por medo de cair
numa das ratoeiras que a cidade estende
como uma passadeira interminável?
ia cansada. nem triste nem alegre. só cansada. a precisar de campo. como sempre e a não o poder ter.
ao lado havia vozes. logo havia mais gente no caminho. não olhou. eram vozes jovens. não precisavam dela.
o chão sim. parecia puxá-la como abismo em dia de vertigem. focou melhor a calçada a preto e branco.
uma minúscula e leve forma acastanhada chamou-lhe a atenção. era uma borboleta. com as asas viradas para cima. uma oração?
não se baixou mas parou a olhar. a pensar que gostava de ter uma vida curta e breve. mas não uma vida castanha.
branca ou preta talvez. castanha não.
terá sido um melro a soltar o insecto do bico em pressa de fugir de uma gaivota?
o que a terá feito morrer ali. entre automóveis e gente indiferente?
image by Lynze Lane
se ela tivesse vida de borboleta e pudesse escolher deixava que o vento a arrastasse para morrer junto ao mar. o fim dos rios todos.
entrou em casa. nem alegre nem triste só mais cansada agora. a vida era já longa. demais.
têm sorte as borboletas. cumprem a função na terra e deixam-nas partir...